Alexandre Gigas apresenta obra do escritor

Um dos eventos que marcou a minha vida foi ver o registo de Jean Paul Sartre dirigindo-se aos Universitários portugueses nos tempos do PREC:
“Há dois trabalhos para os universitários, para os estudantes; o trabalho teórico nas Universidades e o trabalho real, menos teórico, mas verdadeiro, que deve ser realizado fora da Universidade”.
Daí, foi fácil inferir que nos cabe a todos dois trabalhos; um que escolhemos enquanto definição de carreira ou meramente de subsistência e outros múltiplos, atendendo à nossa multiplicidade, para uma verdadeira transformação do mundo que nos rodeia.
Nessa medida, é com enorme prazer que aqui venho apresentar o novo livro do Miguel Barreto Henriques, pessoa múltipla, que admiro por várias das suas dimensões, incluindo a poética. Assim, não dissocio o investigador de processos de paz do poeta, do investigador de uma simbiose social com os gatos, do amante de música, até do benfiquista ferveroso.
Não é à toa que um dos primeiros registos escritos da humanidade tenha utilizado a poesia como forma de linguagem. A Gesta de Gilgamesh foi talvez a forma do guerreiro encontrar a paz. Não sei se o Miguel encontra a paz na sua poesia ou se esta é fruto do conflito interno que avassala os verdadeiros poetas, como incêndios magníficos no entendimento do mundo. Contudo, a poesia do Miguel é marcada pela sua imensa sensibilidade na observação do mundo; pela intelectualização dessa observação da forma que enobrece a Arte em tempos de massificação acrítica; pelo facto de tudo isso redundar nos sentidos irónico, sarcástico, humorístico e de amor ao sentido da vida humana em qualquer contexto.
Diz-nos Gilles Deleuze que “A felicidade é uma forma de Resistência”. A poesia do Miguel, aqui consubstanciada no livro “Versos Livres”, aponta para essa resistência por várias razões:
Pelas características da sua poesia que atrás apontei, que celebram o riso e, logo, a felicidade;
Por essas características se apresentarem, na minha perspectiva, numa evolução poética do melhor que a nossa cultura tem produzido desde a Idade Média, seja na trovadoresca galaico-portuguesa, sobretudo na sua expressão de escárnio; seja pela ironia tão esquecida após o surrealismo português. Importa referir que, por tudo isso, penso que a poesia e a existência do poeta Miguel Barreto Henriques quebra a paisagem monótona da edição de poesia em Portugal. Espero que com o livro Versos livres, se percorra o caminho da paz que a multiplicidade não nos oferece nestes dias.
Desta forma termino com definição do Tom Zé de Unimultiplicidade que encontro na existência do Miguel “onde cada homem é sozinho a casa da humanidade.”